O contributo europeu para o desenvolvimento da pintura mogol nos sec.XVI e XVII é um dos capítulos mais interessantes da interacção cultural India-Europa, que estranhamente pouca atenção tem merecido dos nossos estudiosos das coisas do oriente(exceptuando a notável exposição Goa e o Grão-Mogol , na Fundação Calouste Gulbenkian em 2004 e respectivo catálogo)
A dinastia mogol foi iniciada por Babur (r.1526-153) que partindo da sua base de Kabul derrotou Ibrahim Lodi,o Sultão de Delhi. Os primórdios do império foram precários,o seu filho Humayun (r.1530-1556)teve grande dificuldade em reter as conquistas do seu pai.
O poderio e esplendor mogois no entanto devem-se a Akbar (r 1556-1605). Herdou o trono imperial aos treze anos. Revelou-se um político e administrador de grande visão e lançou as bases sólidas de um império que duraria quase intacto até ao sec. XVIII.
Akbar herdou o amor pelas artes dos seus antepassados. Seu pai Humayun havia trazido para a Índia,de Tabriz na Persia, dois importantes pintores : Mir Sayyid Ali e Abd al-Samad. Estes dois homens foram responsáveis pela organização do atelier imperial. A Pérsia safávida era então o modelo cultural de referência para as elites culturais islâmicas do Industão. Inicialmente o atelier imperial dedicou-se à ilustração de clássicos da literatura persa e a crónicas dos feitos militares dos antepassados ilustres como Gengis Khan, Timur e Babur.
As composições nesta fase de raiz persa eram eminentemente estáticas e decorativas,com a maioria da superfície ocupada por padrões decorativos. Não havia qualquer pretensão de realismo,de exprimir volume,distancia ou perspectiva.
Nos finais do sec. XVI a dinastia encontra-se consolidada. Os artistas do atelier imperial tornam-se progressivamente servidores e promotores do poder e da grandeza da dinastia.
Entretanto novos ventos sopram: Goa tornara-se um centro poderoso e cosmopolita. O primeiro contacto entre Akbar e os Portugueses parece ter ocorrido no Gujarat em 1573, durante o cerco a Surat. Nesta ocasião um grupo de portugueses ofereceu ao imperador artigos europeus que o terão maravilhado.
Em 1576 Akbar convida os Jesuítas a enviar uma missão à corte mogol: "envio Abdulah, o meu embaixador e Domingos Pires para vos pedir,em meu nome,que me envieis dois padres cultos que deverão trazer consigo os principais livros do Evangelho e tudo o que seja melhor e mais perfeito da vossa Lei..."
Em 1580 a primeira missão Jesuíta desloca-se a Agra. Sabe-se que ofereceu ao imperador uma bíblia. No entanto Akbar já teria tido certamente ocasião de apreciar a arte europeia. Gravuras alemãs e flamengas circulavam já na corte mogol, levadas por mercadores,aventureiros e outros viajantes, como presentes,ou para comércio.
Akbar e também o seu filho mais velho, o príncipe Salim,mais tarde Imperador Jahanghir,estabeleceram laços de amizade com os missionários jesuítas que permaneceram em suas cortes,por vezes durante vários anos.
A presença dos Jesuítas em Agra, Fathepur Sikri, Lahore e outras capitais mogóis está bem documentada e é relativamente bem conhecida. Os missionários relataram escrupulosamente todos os trâmites destes contactos em cartas aos seus superiores que são hoje uma leitura fascinante. Contam pormenorizadamente as visitas de Akbar à sua capela em Agra e a suposta veneração pelas imagens de Jesus, Nossa Senhora e dos Santos e a sua admiração pela excelência e realismo das pinturas que lhe é dado observar.Akbar teria chamado os seus conselheiros e os pintores do seu atelier para observarem e copiarem tais maravilhas.
O interesse de Akbar pela imaginária cristã e pela pintura europeia é compreensível e certamente genuíno, mas talvez seja aconselhável dar um certo descontando tendo em vista o gosto pela hipérbole, próprio da linguagem das cortes mogóis e persas.
Parece-nos no entanto haver um mal entendido subjacente nas relações entre os Jesuitas e o Imperador Mogol. Os Jesuítas estavam convencidos que a conversão de Akbar estaria eminente.Escrevem-no repetidas vezes nos seus relatórios a Goa e a Roma. Eram encorajados pela afabilidade e honrarias que lhes eram dispensadas e pelo genuíno interesse do soberano na Lei e filosofia Cristas.
Akbar na realidade não tinha qualquer intenção de se converter ao Cristianismo.Era um monarca moçulmano não muito convicto, num pais predominantemente hindu. Nutria sim a ideia de criar uma nova religiao (o Din-I-Ilahi, Religião Divina)) aproveitando o "melhor" das outras religiões e de acrescentar ao seu enorme poder temporal o estatuto de líder espiritual.Era movido no seu interesse pelo Cristianismo por curiosidade intelectual e espírito universalista.
Akbar e depois Jahangir estavam empenhados, por razoes políticas de consolidação do seu poder e imagem, e certamente por vaidade pessoal, em aperfeiçoar o poder da mensagem transmitida pela pintura de corte. Esta pintura não se limitava à produção de manuscritos para deleite da corte. Nas paredes dos principais palácios,salas de audiência, e espaços públicos viam-se pinturas murais que transmitiam a mensagem pretendida.Em Fathepur Sikri os primeiros jesuítas a entrar no palácio imperial encontraram pinturas representando Cristo, Nossa Senhora, Moisés e Maomé.
Os poderosos da corte mogol aperceberam-se das possibilidades que a pintura europeia, com as suas técnicas de representação mais realistas poderia oferecer no processo de enaltecimento da imagem imperial. Por influência europeia dá-se uma libertação do espaço pictórico. As figuras adquirem maior expressão e individualidade. O retrato realista torna-se corrente.Os artistas dos ateliers das várias cortes copiam gravuras europeias,aprendem as técnicas de sombreado e tracejado para dar volume e animação sobretudo às vestes. Abre-se uma visão de distância dada pela redução dos elementos mais afastados. Técnicas renascentistas como o "sfumato" são utilizadas para sugerir profundidade de campo.
Elementos da iconografia cristã são usurpados e re-contextualizados para servir o enaltecimento e quase deificação do Imperador. Pintores como Abdu'l Hasan especializam-se em retratos alegóricos em que Jahangir é representado,sentado num trono dourado, tal como Cristo, segurando a orbe,a sua cabeça envolta por um resplendor dourado enquanto anjos seguram grinaldas. A influência europeia na pintura de corte neste importante período da arte do Industão é considerável e nem sempre reconhecida.