Jorge Vieira concretiza a perfeita conciliação entre o que há de mais profundo, fundamental, enraízado, mais ontologicamente anterior, e o lado mais inocente, lúdico, juvenil e puro do ser humano. É por isso que o seu trabalho é extremamente cativante. E é dessa maneira que consegue uma enorme proeza: apesar do seu motivo, o seu trabalho em nada é assustador.
Jorge Vieira nasce em Lisboa em 1922. Frequenta o curso de escultura em Belas-Artes, onde participa nos movimentos de contestação ao regime político e onde começa por trocar as suas impressões sobre escultura moderna com colegas como Sá Nogueira, Alice Jorge ou João Abel Manta. O Surrealismo começa a seduzi-lo e são as obras de Dacosta, em 1942, que primeiro o marcam.
Figura Feminina (Ocarina) | 1985 | Terracota | Dim.: 56 x 41 x 26 cm
A partir de 45 trabalha no atelier do arquitecto Frederico George com quem manterá uma longa colaboração e amizade. Aí começa a trabalhar as suas primeiras esculturas. O material escolhido é o barro - desvalorizado na cultura ocidental, incluindo no próprio século XX. O seu valor simbólico está inevitavelmente associado a uma substancialidade terrestre e também a uma maleabilidade e fragilidade tanto maternal como sensual. O barro remete-nos, assim, para as origens - permitindo entrever o principal traço da obra do escultor: o primitivismo. É no seguimento deste desejo de voltar às origens da escultura que Jorge Vieira começa a utilizar os engobes, técnica antiga, vinda da cerâmica, que consiste em pintar a cor sobre o barro em determinado momento da sua secagem e levá-lo posteriormente ao forno a cozer.
Jorge Vieira concretiza a perfeita conciliação entre o que há de mais profundo, fundamental, enraízado, mais ontologicamente anterior, e o lado mais inocente, lúdico, juvenil e puro do ser humano. É por isso que o seu trabalho é extremamente cativante. E é dessa maneira que consegue uma enorme proeza: apesar do seu motivo, o seu trabalho em nada é assustador. Indo até ao mais fundo (do ser humano e da memória dos tempos), utilizando o subconsciente e provocando através do fantástico e do mitológico – apesar das suas obras envolverem uma desfiguração, o disforme, o bizarro, elas são, no entanto, aprazíveis. São convidativas a um olhar demorado e enchem-nos de ternura e sonho.
Touro, 1955, Terracota, Dim.:40 x 31 x 17 cm
Touro Terracota | Alt.: 19 cm
Como afirma José Augusto França, todas as correntes modernas eram ignoradas na escultura portuguesa até Jorge Vieira.
Só ele, em 1953, com um projecto de monumento Ao Prisioneiro Político Desconhecido, premiado num concurso internacional londrino, se notabilizava. O seu acerto cronológico com a restante actividade europeia era único e valeu- lhe talvez até mais reconhecimento internacional que nacional. Iniciou um procedimento revolucionário com o exercício de materiais diversos, em especial a terracota e a pintura com engobes.
Casal Terracota com engobes | Dim.:50 x 65 x 30 cm
Sem Titulo - Figura bizarra 1952 | Bronze | Dim.: 32 x 26 x 28 cm
Sem Titulo | 1949 | Terracota com engobes Dim.: 24 x 15,5 x 10,5 cm
Sem Título - Camponeses Bronze | Dim.:19 x 32 x 9 cm
Foi também um dos primeiros escultores a introduzir a cor, interesse que o leva a dourar particularidades dos bronzes. Rompeu com o já velho e árido cânone oitocentista, recuperando, criativamente, modelos icónicos de culturas antiquíssimas e primordiais, de origem mediterrânea, africana e até ameríndia. Precursor primitivista, cubista, surrealista e abstracta, sumariou meio século de inovações até então por experimentar em Portugal.
A sua primeira exposição individual foi em 1949 na SNBA onde já se podia ver uma figuração neo-classicista na composição do corpo feminino com uma anatomia estereometrizada. As pequenas figuras que evocam a tal memorabilidade primitiva são inscritas numa formalidade moderna e surrealista. E as outras completamente abstractas desenvolvem uma síntese orgânica entre espaços cheios e vazios, eliminando a tensão dessas duas forças, criando uma harmonia e completude hipnotizantes.
Das primeiras galerias a abrir em Lisboa, em 1968, logo em 1971 a Galeria São Mamede faz uma exposição individual de esculturas e desenhos de Jorge Vieira, onde se afirma corajosamente no início do catálogo que “a arte é sempre revolução”, desfazendo a pertinência da velha querela entre arte e política. Em homenagem e retrospectiva, a Galeria São Mamede volta a fazer uma exposição da sua obra em 2016.